Uma sala para todos...
Todas as relações têm os seus altos e baixos, alguns mais saudáveis que outros, alguns com mais significado que outros e, finalmente, alguns mais graves que outros.
Por saudável entenda-se que são as discussões, os arrufos e/ou mal entendidos que, para o bem e para o mal, contribuem na construção da relação, enaltecendo valores, firmando certezas... ensinando ambos a aceitarem-se como são.
Por significados, direi que são aqueles que ficam na memória. Sempre. Não se perdem e não são recorrentes aquando deste ou daquele episódio, estão sempre presentes.
Por gravidade serão as divergências, os episódios, as fases que de uma forma ou outra, dão origem a consequências. Pontos de viragem e sem retorno. Quanto mais grave pior a consequência... e se com isto houver precedentes, então é caso para dizer “caldo entornado”.
Para ter consciência dos altos e baixos que experimento, seja qual for a relação (casal enamorado, casamento, paixão, amizade, etc.), procuro sempre construir um espaço figurativo que ajuda à abstracção do momento, facilitando a sua compreensão através de analogias simples. Espaço esse que deverá ser comum aos dois envolvidos. Dois ou mais, pois há relações para tudo.
Hoje pretendo expor a minha percepção de uma vida a dois. A qual encaixo numa sala.
Imagine-se uma sala totalmente vazia. Quatro paredes nuas. Um chão lustroso, brilhante e sugestivamente atraente a ser pisado. A sala é simples, bonita, bem cheirosa. Omissa em decoração e ainda assim cheia de tudo.
De um lado estou eu. Do outro ela.
A relação desenvolve-se sobre aquele soalho. É a plataforma que sustenta a relação. Sem ele não haveria nada, portanto é necessário estimá-lo. Em equipa, devemos mantê-lo limpo. Puxar o lustro diariamente, para que a sugestão de permanecer ali, sobre ele, se mantenha. As paredes definem o espaço. O limite da relação... (não aconteça haver um espírito aventureiro, e decidir caminhar por um soalho sem fim, tão bonito que ele é, em direcções opostas)
As paredes são fundamentais. E convém mantê-las limpas, e intactas. Mas não muito limpas, pois podem ocultar o brilho do soalho, e tal não seria bom, pois pode cada um voltar-se para a sua parede.
A riqueza de uma relação pode definir os materiais. Quanto melhor, mais refinada será a madeira do soalho.
Definido o espaço, que se compreenda a relação. Durante os primeiros tempos, a sala mantém-se naturalmente limpa, e sempre bonita. É então que surge um arrufo. É como se alguém deitasse uma cinza de cigarro para o chão. Um dos dois deverá limpar o que aconteceu. Ignorar seria absurdo uma vez que a cinza iria ficar ali sabe-se lá até quando. A curiosidade a reter, é verificar, na relação, quem é que vai limpar o quê: Se cada um apenas limpa o que suja, ou se um, ou ambos, é altruísta ao ponto de limpar o que o outro fez. Adiante.
A sala é bonita, esplendorosa... contudo, ambos não conseguem ver tudo o que há de bom à volta. Só aquela cinza ordinária. É um arrufo. A Cinza veio estragar a harmonia. Mas será assim tão significativa? Relativizar é bom? Afinal a sala é mais bonita que a cinza, porque não conseguimos ver a sala no seu todo e só a cinza? De facto as nódoas conseguem ser mais evidentes que o resto do pano. Mas porque é que o oposto não se verifica?
Consideremos que relativizar é bom, e que com o tempo a cinza, desaparece.
Bom, a cinza nunca chega a desaparecer, simplesmente espalha-se de tal forma que não é visível a olho nu, mas está lá. Se sobre esta caírem outras e mais outras, a sala vai ficando cada vez mais suja. E quando o soalho estiver totalmente coberto, a beleza dele é que desaparece de facto. A magia vai-se. Assim são as relações.
Recuando um pouco, observemos o chão quando está quase todo sujo, onde é possível observar um pedaço dele com o seu brilho natural, aquela riqueza que o definia. Porque é que aqui, em oposição do soalho limpo com uma cinza, não conseguimos observar só o que está limpo em detrimento do que está sujo. Se o normal da harmonia é estar sujo, o que está limpo deveria destacar-se, mas tal não acontece.
Esta ideia de tornar figurativo ajuda-me a compreender que gostamos ou há uma tendência inata em olhar para a porcaria. Para o que está sujo. Porquê? Talvez porque é mais fácil, talvez porque a relação já estava condenada… ou talvez porque precisamos sofrer. Não se afirma isto de forma fácil, mas parece-me ser esta a conclusão. Numa relação precisamos de porcaria a tapar-nos os olhos, sem ela não saberíamos procurar o que realmente queremos e o que realmente nos sabe bem.
Assim compreendo que é importante ter consciência (activa) do que pretendo valorizar de facto. E sim, relativizar é bom desde que olhe para o lado correcto da questão. Parece óbvio, mas não fácil.
2 comentários:
Ora boas!
Por saudável entendo:
conseguir mediar conflitos, apenas conversando, sem que ninguém saia magoado.
Por significados entendo:
a junção das memórias com a importância que essa pessoa teve na nossa vida.
Por gravidade entendo:
a falta de respeito pelo outro.
Para ti a relação é um a sala. Para mim é um jardim. Tudo começa pelo plantar das sementes, prepração da terra, conhecimento do que se pode plantar naqueles tipo de terra.
Depois tem que se esperar que as plantas cresçam, tem que se regar, adubar, cuidar. Chegado um dado ponto, tem-se um jardim bonito. E tem que se continuar a cuidar, agora mais do que nunca, porque plantar é fácil, o mais difícil é manter o que se conseguiu. E é aqui que muitas vezes as coisas falham.
Concordo contigo quando falas na cinza, sim, ela fica sempre pela casa, não desaparece. Tudo o que faz parte de nós, vive connosco. Bom é quando aprendemos a viver com isso. Muitas vezes não se aprende, o que dá lugar a rancores, mágoas e dores bem maiores. Perdoar é uma virtude. Continuar a viver é outra.
Relativizar pode ser bom, ou mau, dependo do assunto.
Beijinhos! ;)
InsideOut
Gostei da tua perspectiva. Mas os Jardins não serão "arejados" demais?... é que se depois quisermos envolvê-los com uma estufa, a piada vai-se num instante.
Mas cada qual vê o seu meio com os olhos que quer :)
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