Quando Orwell escreveu 1984, uma das personagens enigmáticas que se destaca é sem dúvida o Big Brother. Aquele que todos vigia, e por sua vez, que todos adoram.
A capacidade de vigiar só é possível com canais de 2 sentidos. A particularidade desta (Big Brother) é que os canais usados diferem consoante o sentido. Do observador para o observado – Vigia-se. Do Observado para o observador – Adora-se. A assunção passiva do observado é evidente.
Uma investigação rápida sobre esta obra e ficamos a saber que este romance era um aviso para a europa ocidental e mundo, a ser considerado na segunda metade do Séc. XX. (a sombra do comunismo, credo)
O mundo girou, e o conceito mudou. O comunismo fica para trás, e o Big Brother "vira show de tv".
Hoje o conceito de Big Brother está algo mais associado a um controlo coercivo da sociedade, através de meios omissos. Para leigos, é algo simplesmente associado a câmaras de vídeo públicas, utilizadas pelas autoridades de modo a seguirem os nossos passos mais de perto. E isto é o suficiente para assustar muito boa gente com teorias de conspiração, invasão de privacidade, etc etc... venha outro e acrescente um ponto.
Ora, no meu big-brother, o que eu mais receio é este, que já está por toda a parte, e que além de me seguir de perto, segue em tempo real. A comunicação.
Telemóveis. Mails. Telefones. Carros. Cafés. Espaços. Os amigos. A palavra.
Todos os dias, sou seguido e sou seguidor de outros. Todos os dias, a toda a hora alguém sabe onde estou, de onde vim, e para onde vou... até enquanto durmo.
Pensava que a privacidade era algo partilhada, no seu máximo, com o seu parceiro, filhos... e pouco mais. Mas a privacidade que julgava ter, não existe. É um mito.
Qualquer amigo meu, sabe que estou em casa porque falou comigo no MSN, e ao comentar que me vou deitar todos os que se cruzarem com ele, podem ficar a saber para onde vou e donde fui.
Parece obsessivo, mas é desconfortável ter consciência que afinal não estou escondido. Que afinal não tenho um espaço só meu. Que esse espaço é constantemente invadido. E pior, isso acontece, porque eu quero/deixo.
É desconfortável saber que se alguém telefona para casa e não se atende, a mensagem é logo transmitida. «Ele não está em casa. Já saiu.».
Ou alguém ver o carro passar, e reconhece a marca, matrícula o que for. «Olhe, vi agora o AlfmaniaK, passou ali de carro...».
Alguém telefona para o telemóvel, atendes: «Ele está num sítio com barulho. Um bar, talvez!»; não atendes: «Deve estar a conduzir ou num local onde não pode atender»
Sinto-me observado por todos. Julgado por todos. E faço o mesmo a todos.
A maneira como nos observamos fica distorcida diáriamente. Penso que não estou apto a receber tantas informações diferentes sobre a mesma pessoa. A minha imagem dela é distorcida. Faço filmes, crio rótulos e preconceitos. Há quinze anos atrás isto não era possível, ou não era tão fácil. Mas agora…
O mundo por si só já é pequeno, mas estas novas tecnologias da comunicação aliadas à futilidade da nossa essência faz dele um lugar ainda mais pequeno. Será que posso tentar, ou até fingir, que me posso esconder e não revelar mais informação do que a que estou disposto a dar? AlfmaniaK é um escudo que eu tenho. A minha verdadeira identidade não está oculta. Nunca esteve.
Não me queixo. Não posso queixar.
Afinal sou vigiado por todos, e gosto de todos os que me vigiam.
E tu? Deixas que eu te vigie?